Minha esposa e eu ouvimos a notícia pelo rádio do carro. Anunciaram que um missionário norte-americano estaria pregando em Brasília e ia fazer milagres. Como os milagres estão muito raros ultimamente, fomos conferir. De começo, vimos uma mulher tentando fazer um milagre: ela precisava levantar vinte mil reais para pagar o som. E começou o leilão: Quem vai ofertar R$ 100,00? Não me lembro de ter visto nenhuma mão levantada. Quem vai dar R$ 50,00? Parece que vi algumas. R$ 20,00?, R$ 10,00?, R$ 5,00? À medida que ela ia abaixando os lances, crescia o número de mãos levantadas. Um real? Ela deve ter achado que não valia a pena: nem pediu. Nos meus cálculos, somando aquelas mãos levantadas, o milagre dos vinte mil não aconteceu. Chegou agora a vez do missionário pregador. Ele leu em Atos 10, sobre a conversão de Cornélio. Gosto muito desse texto. Pensei: vai sair uma boa mensagem daí. Ele começou re-traduzindo a Bíblia. Lá, onde diz que Cornélio fazia muitas esmolas ao povo, o missionário disse que a tradução correta era: Cornélio dava muitas ofertas a Deus. Ai! Chiei. Ele vai tentar fazer o milagre que a mulher não conseguiu. Dito e feito! E de repente, manifestou-se nele a síndrome de Malaquias: Roubará o homem a Deus... vós me roubais...Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa... Mas como trazer os dízimos à casa do tesouro? Nós estávamos num mundano estádio de futebol e não no sagrado templo em Jerusalém, que já nem existe mais! E, lá pelas tantas, ele sapecou essa: A única maneira de abrirmos as janelas do céu é pagando o dízimo. Blá, blá, blá... e adiou os milagres para a noite seguinte. Perdemos o nosso tempo e a esperança de ver os milagres anunciados. Achamos que não valia a pena voltar na noite seguinte.
Mas apesar de tudo, na minha cabeça os pensamentos ficaram a mil por hora! Será que o que esse missionário disse tem fundamento? O dízimo tem esse poder quase mágico de abrir as janelas dos céus? É o abre-te sésamo, da história de Ali Babá e os quarenta ladrões? Mas a resposta sempre me vem; e ela não demorou muito. Lembrei-me de consultar quem entende de céu: Aquele que de lá desceu! Nem foi preciso ele me mandar um anjo mensageiro: a resposta estava no Livro. Fui lá e achei. Depois eu conto. Não tenha pressa, vamos chegar lá.
Repito: Era apenas o engano cavalgando a verdade.
Estou acometido de um mau hábito. Quando eventualmente me animo a ir a uma igreja, vou logo bisbilhotar o porta-envelopes. E quase sempre encontro o que procuro logo na entrada: a síndrome de Malaquias. Está impresso no envelopezinho, se não o texto pelo menos a referência: Malaquias 3. Por que não arranjam uma coisa melhor, no Novo Testamento, por exemplo? Garanto que tem: Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria (II Coríntios 9). Mas aí, com o garrote frouxo, a proposta baixa, o coração pequeno e sem as maldições, a oferta sai mixuruca e o gazofilácio não se enche! É melhor garantir os dez por cento e mais algumas ofertas: alçada, aniversário, caixa de assistência, compra do som, construção do suntuoso templo, compra do título de nobreza, gratidão, primícias, propósito, missionária, viagem a Israel, voluntária etc. E lá vem Malaquias 3!
Mas, a essa altura, você me pergunta: E aí, seu sabe tudo, como se vai financiar a obra? Eu me animo a responder: Comece cortando o supérfluo na sua igreja. Comece dando fim naquelas enormes caixas de som e aparelhagem estridentes, que massacram os ouvidos dos mais velhos e também dos mais novos e incomodam os vizinhos. (Ouvi sobre um qüiproquó numa igreja do interior de Goiás, onde um menino de doze anos teve os tímpanos estourados. Atribuiu-se esse dano ao excesso de barulho instrumental. Virou caso de polícia). Apaguem as luzes coloridas, que mais parecem luzes de boate ou show de rock. Economize no carro de luxo do pastor — ele precisa aprender a viver modestamente, afinal, ele tem de ser o exemplo dos fiéis, e não precisa de carro importado, nem de mansão em Miami. Não invista na construção de templos suntuosos, catedrais, muito menos na construção de palácios, que está virando moda agora, porquanto Deus não habita em casa feita por mãos humanas. (Aliás, você sabe qual é o atual endereço de Deus, ou onde ele se propôs morar? [João 14]). Usem de maneira mais racional os templos. Quando você tiver tempo, dê um balanço e conte o tempo que os milhares de templos ficam abertos e o tempo que ficam ociosamente fechados, por esse Brasil afora! (Acho que exagerei em templos e tempos!). O povo já está muito oprimido pela escorchante carga tributária imposta pelo governo; está financeiramente apertado; a situação não está favorável — até parece que já estamos vivendo a grande tribulação! Pode-se aprender também com a Congregação Cristã no Brasil, que não cobra dízimo, mas marca presença em todo o território nacional, apesar de não ter ministério formal, institutos bíblicos, seminários, nem lançar mão da mídia; ou mesmo com a Assembléia de Deus, que se esparramou pelo Brasil afora com os esforços e os parcos recursos de crentes pobres e de pouca ilustração, superando em número as denominações antigas de gente rica e culta.
Isso aí em cima é só uma medida paliativa. A força que deve mover a obra não está no poder do dinheiro, mas no poder do Espírito Santo. O dinheiro deve ser apenas coadjuvante. E quando realmente ele se fizer necessário, o Espírito Santo moverá o povo de Deus e as ofertas virão com abundância. De puxar de rodo! Quer ver alguns exemplos disso? Ei-los:
O primeiro está no Velho Testamento [Êxodo 25, 36]. Vou transcrever os textos:
Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel que me tragam oferta; de todo homem cujo coração o mover para isso (grifei), dele recebereis a minha oferta.
Esta é a oferta que dele recebereis: ouro, prata e bronze, e estofo azul e púrpura e carmesim, e linho fino, e pelos de cabra, e peles de carneiros tintas de vermelho, e peles de animais marinhos, e madeira de acácia, azeite para luz, especiarias para o óleo de unção, e para o incenso aromático, pedras de ônix, e pedras de engaste, para a estola sacerdotal e para o peitoral.
... e disseram a Moisés: O povo traz muito mais do que é necessário para o serviço da obra, que o Senhor ordenou se fizesse. Então ordenou Moisés — e a ordem foi proclamada no arraial, dizendo: Nenhum homem, nem mulher, faça mais obra alguma para a oferta do santuário. Assim o povo foi proibido de trazer mais.
O apelo aqui foi ao contrário: Não tragam mais ofertas. (Lembre-se de que esse povo ainda nem havia entrado na terra prometida e tinha acabado de sair da escravidão do Egito).
Ah, meu irmão, diante de coisa assim, você pode e deve pular, dançar e gritar glória e aleluia!
O segundo está no Novo Testamento [Atos 2, II Coríntios 8]. Vou transcrever os textos:
Em cada alma havia temor; ... Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.
Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus, concedida às igrejas da Macedônia; porque no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários, pedindo-nos, com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos. E não somente fizeram como nós esperávamos, mas deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus. (Confesso que me arrepio todo, diante desse texto).
Pode dançar, pular e gritar glória e aleluia, novamente!
Viu, ali em cima, a frase: em cada alma havia temor? Não era o temor das maldições de Malaquias 3; nem o temor de ver o seu nome em branco ou assinalado de vermelho no quadro à entrada do templo; nem o temor de não ser convidado a subir na plataforma, no domingo à noite, para receber as honrarias de dizimista fiel; ou o de não participar do banquete de entrega do título de nobreza. Era o temor do Senhor. Era o Espírito Santo no coração.
Lembra-se de Zaqueu? Sim, aquele publicano rico e baixinho, que trepou numa árvore para ver o Senhor Jesus passar. Quando o Senhor Jesus entrou em sua casa e no seu coração, sabe o que ele fez? Tomou uma decisão séria, que envolvia distribuição e restituição. Levantou-se no meio do banquete e disse: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais [Lucas 19]. Ninguém havia falado em dinheiro com ele; ninguém lhe tinha feito nenhuma promessa ou ameaça. Era somente o efeito do autêntico evangelho na sua vida, convertendo-o, levando-o ao arrependimento e à caridade. Naquela hora ele estava começando a ajuntar tesouros no céu, aonde não chega o ladrão, nem traça nem ferrugem corrói [Mateus 6, 19; Lucas 12].
O exemplo dos irmãos macedônios transcrito acima, de II Coríntios 8, é de tanger a alma e fazer a gente chorar de emoção. O apóstolo Paulo tinha sido encarregado de fazer uma coleta de ofertas para socorrer os santos em Jerusalém (não os santos de barro, pois esses não precisam de nada, mas os cristãos necessitados!), que estavam passando por privações. Ele achou que os cristãos macedônios não tinham condições financeiras de ajudar. Enganou-se, como você viu pela leitura acima. Agora, Paulo os tomou como exemplo para as outras igrejas. Curioso, não? O veemente apelo não foi feito pelo pregador, mas pelos contribuintes: Deixe-nos participar. Somos pobres, é verdade, mas nós também queremos contribuir e ajudar nossos irmãos!
Provavelmente, vai-se ouvir ainda algum pregador citar Malaquias 3. E quando ele o fizer, espero que não se esqueça de citar também o apelo feito por ele no capítulo 4: Lembrai-vos da lei de Moisés, meu servo, a qual lhe prescrevi em Horebe para todo o Israel, a saber estatutos e juízos.
Talvez, em matéria de finanças, o Exército de Salvação tenha alguma coisa a nos ensinar também. Administra tão bem o que recebe que foi considerado a mais eficaz das organizações. Deve ser por isso, que há poucos anos, Joan Kroc, viúva de Ray Kroc, fundador do McDonald’s, doou-lhe oitenta milhões de dólares. E mais recentemente, um pouquinho mais: um bilhão e meio de dólares!
Você sabe de onde provinham os recursos para o sustento de Jesus e seus doze apóstolos? Há pouca informação sobre isso. Sabemos, porém, que ele e os apóstolos não tinham mais tempo para trabalhar e prover o seu sustento. Eles haviam deixado suas atividades profissionais e andavam de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, e se ocupavam em atender muitas pessoas. Às vezes, não tinham tempo nem para comer [Marcos 6]. O Senhor Jesus já não podia cuidar da carpintaria. Pedro, André, Tiago e João abandonaram a pesca [Mateus 4]. Mateus deixara a coletoria [Mateus 9]. Judas era o tesoureiro [João 12, 13]. E nada sabemos dos demais. Pois bem, quem nos dá notícia de como foram sustentados é Lucas 8. Algumas mulheres, que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades, também os seguiam e davam-lhes assistência com os seus bens. Dentre elas, Maria Madalena; Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes; Suzana e muitas outras que ficaram no anonimato. Certamente era o sentimento de gratidão que as movia a fazer isso, e não Malaquias! Elas foram abençoadas: receberam a libertação e a cura, e agora retribuíam com os seus bens.