O fermento dos Fariseus

Um dia, fariseus e saduceus tentaram o Senhor Jesus, pedindo-lhe um sinal vindo do céu. E o Senhor Jesus chamou-os de geração má e adúltera, e disse que nenhum sinal lhes seria dado, senão o do profeta Jonas. Em seguida, o Senhor Jesus advertiu seus discípulos dizendo que tivessem cuidado com o fermento dos fariseus. Os discípulos não entenderam, e acharam que ele dissera isso porque eles tinham esquecido de levar pão. E o Senhor Jesus então esclareceu, e aí os discípulos entenderam que ele se referira à doutrina dos fariseus e saduceus [Mateus 16].

O único texto no Novo Testamento, onde parece que Jesus está mandando dar o dízimo, é justamente aquele em Mateus 23, com o seu correspondente em Lucas 11, onde os pregadores do dízimo deitam e rolam, pois foi daí que extraíram aquela famosa frase: sem omitir aquelas, ou seja, sem deixar de dar o dízimo da hortelã, do endro e do cominho. É nesse texto que o Senhor Jesus faz um discurso censurando os escribas e fariseus, e que os cobradores do dízimo invocam com freqüência. Por isso vamos nos deter um pouco sobre ele. Quem eram os fariseus? Valho-me do Dicionário Prático de cultura católica, bíblica e geral.

Fariseus. Membros de uma seita ou escola religiosa entre os judeus, nascida no tempo da conquista da Palestina, para imunizar os judeus das contaminações de religiões estranhas, para que insistiam na completa separação (fariseu quer dizer o que está separado) dos gentios. Requeriam também uma estrita observância das Escrituras e das tradições rabínicas. Dentre o emaranhado de prescrições e interpretações farisaicas sobre a Lei, recebiam maior ênfase: a pureza das cerimônias e o pagamento das taxas religiosas. Havia certo fatalismo na doutrina dos fariseus, conquanto sustentassem a ressurreição e a vida futura. No tempo de Cristo, seu zelo primitivo degenerara em fanatismo e hipocrisia. Encabeçaram a oposição a Cristo [Jo 11,47] que lhes condenava a hipocrisia [Mt 16,6-12; 23, 1-36/ Lc 11,37-44]. Nem todos porém eram maus; Nicodemos [Jo 3,1-21], Paulo [At 23,6] e Gamaliel [At 5,34] eram fariseus. Inicialmente quiseram aceitar a Jesus Cristo como o Messias, mas quando viram que para isto tinham que corrigir umas tantas opiniões tradicionais, como a maneira de observar o sábado, e outras, preferiram rejeitar a Jesus apesar das provas estupendas que o Mestre deu de sua missão divina. Por causa da Tradição, mal compreendida, rejeitaram a Salvação [Mt 15,2-6; Mc 7,3-13; Col 2,8].

Pois foi exatamente num discurso exaltado de censura dirigida aos escribas e a esses fariseus hipócritas, que, de passagem, o Senhor Jesus se referiu ao dízimo. É aí, onde ele exclama os oito ais: Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! ...Ai de vós, guias cegos! ...Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei, a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas cousas, sem omitir aquelas. Claro. Não eram todos eles judeus, ou seja, filhos de Israel, e não estavam todos sob as alianças de Horebe (Sinai) [Êxodo 19, 20] e de Moabe? [Deuteronômio 29]. A lei e a ordenança do dízimo não tinham sido dadas a eles, por intermédio de Moisés? [Levítico 27]. Não viviam na terra de Canaã, que receberam por herança, conforme a promessa que Deus fizera a seus pais? Note que nesse momento, o Senhor Jesus não estava dando mandamentos nem ensinando doutrina aos seus discípulos, para que transmitissem aos futuros discípulos. Ele tinha perdido novamente a paciência e estava censurando duramente os fariseus. Mais precisamente — gostemos ou não —, ele os estava xingando, e o fazia com muita veemência e com palavras muito duras, que se forem ditas nas igrejas hoje vão espaventar os congregados: Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens...; Hipócritas...; Guias cegos...; Insensatos e cegos...; Fariseu cego...; Sepulcros caiados...; Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? (Como diria minha falecida mãe — que Deus a tenha! —: O Senhor Jesus só não os chamou de santo e rapadura!). Aliás, esse era também o conceito que o precursor do Senhor Jesus, João Batista, tinha dos fariseus e saduceus, que vinham para ser batizados: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? [Mateus 3]. E certamente ao censurar os escribas e os fariseus, o Senhor Jesus não estava cochichando aos seus ouvidos, pois falou às multidões e aos seus discípulos! Nessa ocasião, o que ele disse às multidões e aos discípulos foi: ...não os imiteis nas suas obras, entre as quais — foi o Senhor Jesus mesmo quem a mencionou — estava o dar o dízimo da hortelã, do endro e do cominho!

Nessa censura, o Senhor Jesus chama a atenção dos escribas e fariseus para o fato de que estavam dando mais atenção aos preceitos menores da lei — dar o dízimo; e negligenciando os mais importantes — praticar a justiça, a misericórdia e a fé. Nesse discurso, em nenhum momento o Senhor Jesus endossou ou ensinou a prática do dízimo para a sua Igreja. Querer tirar essa idéia daí é como arrancar minhoca do asfalto!

Ao se referir aos fariseus e saduceus, o Senhor Jesus advertiu seus discípulos para que tivessem cuidado com a doutrina deles. Da mesma forma, ao censurar os escribas e fariseus, advertiu novamente os discípulos para que não imitassem as suas obras.

Lembra-se de que em outra ocasião, ele perdeu a paciência com os profanadores do templo — o qual seria chamado de casa de oração, para todas as nações, e que tinha sido transformado em covil de salteadores? Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou a todos do templo, que ali vendiam e compravam, derramou o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e cadeiras dos camelôs, digo, dos que vendiam pombas [Mateus 21, João 2].

E hoje vemos um contra-senso no meio cristão. Nomeiam qualquer lugar, onde se reúnem para o culto, de Casa de Deus, sacramentam esse lugar, mas fazem dele um Camelódromo, um Mercado Persa, ou um Mercado do Ver o Peso, onde se vende de tudo: CDs, camisetas, comida, faixa da aliança assinada pelos apóstolos, fitinhas, livros, títulos de nobreza. Já se venderam até sutiãs e calcinhas, com direito a fio dental! Talvez seja hora de se explicar novamente onde Deus quer habitar [João 14; I Coríntios 3, 6].

Da mesma forma como os discípulos não entenderam o que o Senhor Jesus falara a respeito dos fariseus e saduceus, os pregadores hoje não entendem o que ele falou aos escribas e fariseus nesse discurso. E com base numa expressão condenatória a esses opositores, embasam uma doutrina e a enfiam goela abaixo na Igreja. Ou, quem sabe, entenderam muito bem, mas precisavam de pelo menos uma palavrinha do Senhor Jesus (ou de três, para ser mais preciso: sem omitir aquelas), que pudessem tomar como ordenança e usar para sustentar uma doutrina? Parece que o fermento dos fariseus era de boa marca e sem prazo de validade, pois até hoje está fazendo a massa crescer!

Mais uma pergunta para você responder: Seria confortável para alguém aceitar e praticar uma doutrina que tem por fundamento, no Novo Testamento, apenas três palavras, ditas num momento de impaciência, exasperação e xingamentos? [ ] Sim [ ] Não

Eis aí, novamente, o engano cavalgando a verdade.

Agora, a revelação do que eu disse no item A síndrome de Malaquias, sobre a afirmação do missionário norte-americano: A única maneira de abrirmos as janelas do céu é pagando o dízimo. Em Mateus 23 e Lucas 11, o Senhor Jesus está censurando o fariseu hipócrita, ou se preferir, o dizimista hipócrita. Parece que as janelas do céu não estavam abertas para ele, não. O seu dízimo não as conseguira abrir. Mas em Lucas 18, o fariseu presunçoso, ou se preferir, o dizimista presunçoso, em competição com um publicano e pecador (não dizimista), definitivamente não conseguiu abrir as janelas do céu com o seu dízimo: Digo-vos que este (o publicano) desceu justificado para sua casa, e não aquele (o dizimista presunçoso). Aquele que entende de céu — pois de lá desceu e para lá retornou — foi quem falou isso. O missionário mencionado acima estava equivocado, o dízimo não abriu as janelas dos céus! Foi isso que o Senhor Jesus ensinou aqui.