Quando, o quê, onde, quem, como?

Pedi que você marcasse os textos bíblicos que contivessem a expressão: Quando o Senhor teu Deus te introduzir na terra... e outras equivalentes. Se você o fez, deve ter notado a quantidade de vezes que isso é repetido, especialmente em Deuteronômio. Se olharmos do ponto de vista jurídico, Deuteronômio pode ser considerado como a regulamentação da lei; ou, como diz o próprio livro, a explicação da lei [capítulo 1º]. Para facilitar a leitura e a compreensão, algumas edições da Bíblia dividem esse livro em quatro discursos. Se a sua Bíblia é dessas, você vai encontrar Arremedando aqui um bom repórter, vamos lançar mão dessas clássicas e práticas perguntas jornalísticas e fazer nossa reportagem sobre o dízimo, procurando respondê-las uma a uma.

No item sobre a ordenança do dízimo, eu disse que tudo o que vinha depois eram as instruções do que fazer com ele: quando dizimar, o quê dizimar, onde entregar e comer o dízimo, quem podia ou não comê-lo, como distribuí-lo.

Quando?

O primeiro discurso de Moisés nos capítulos 1º ao 4º; o segundo discurso, nos capítulos 4º ao 26; o terceiro discurso nos capítulos 27 e 28; e o quarto discurso, nos capítulos 29 a 33. No primeiro discurso, Moisés conta a história de Israel, porque muitos daquela geração saíram crianças do Egito, outros nasceram no deserto e não sabiam de muitos fatos que haviam acontecido. No segundo discurso, Moisés conta a história da legislação, repetindo os dez mandamentos e outras leis, e explica como deveriam ser observados. No terceiro discurso, Moisés e os anciãos deram ordem ao povo para guardar os mandamentos quando passassem o Jordão, sob pena de ficarem sujeitos às maldições, solenemente proclamadas no monte Ebal. Já no quarto discurso, Deus faz nova aliança com o povo, além da que fizera no monte Horebe (Sinai). Era exatamente quando entrassem na terra (o que ia acontecer em breve), que deveriam observar os preceitos, entre os quais estavam os relativos ao dízimo: São estes os estatutos e os juízos que cuidareis de cumprir na terra que vos deu o Senhor, Deus de vossos pais, para a possuirdes todos os dias que viverdes sobre a terra [Deuteronômio 12]. Essa condição é repetida dezenas de vezes no Deuteronômio.

O quê?

O quê os israelitas deveriam dizimar? A gleba de terra que cada família de sem terras recebesse não seria dizimada. Essa família não ia pegar um pedaço da terra recebida e entregar a quem devesse receber o dízimo: levitas, estrangeiro, órfãos e viúvas. Não encontrei nenhuma instrução sobre dizimar qualquer coisa que não fosse o fruto da terra e o rebanho. Como eu disse no item O Voto de Jacó, eu não encontrei nem no Velho Testamento nem no Novo nenhuma menção a dízimo de salários ou de outra fonte, que não fosse do fruto da terra (da terra de Canaã, bem entendido!) e do rebanho, que era criado sobre ela. Só há uma exceção. Os levitas deviam entregar aos sacerdotes (também descendentes de Levi) os dízimos dos dízimos que recebessem dos israelitas. O preceito é claro: Também todas as dízimas da terra (não se esqueça leitor — terra aqui se refere à terra de Canaã), tanto do grão do campo, como do fruto das árvores, são do Senhor: santas são ao Senhor. ...No tocante às dízimas do gado e do rebanho, de tudo o que passar debaixo da vara do pastor, o dízimo será santo ao Senhor [Levítico 27]. Não encontrei também a obrigação de dizimar imposta a quem não fosse detentor da posse da terra. Haja vista que o estrangeiro, que certamente trabalhava e tinha seus rendimentos, não estava sujeito a dizimar nada. Muito pelo contrário, era beneficiado pelo dízimo, pois o dizimista tinha a obrigação de lhe entregar parte do dízimo consagrado a Deus.

Onde?

Dentre os diversos preceitos relativos ao dízimo, havia aquele que determinava onde o dizimista deveria entregá-lo e comê-lo. Isso ficou expressamente esclarecido: Mas buscareis o lugar que o Senhor vosso Deus escolher de todas as vossas tribos, para lá pôr o seu nome, e sua habitação; e para lá ireis. A esse lugar fareis chegar os vossos... dízimos; Nas tuas cidades não poderás comer o dízimo do teu cereal, nem do teu vinho, nem do teu azeite...; Certamente darás os dízimos de todo o fruto das tuas sementes, que ano após ano se recolher do campo. E, perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu cereal, do teu vinho e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer ao Senhor teu Deus todos os dias. [Deuteronômio 12, 14]. Essas expressões são muito fortes: darás os dízimos... comerás os dízimos... para que aprendas a temer ao Senhor teu Deus... Veja que os levitas, o estrangeiro, o órfão e a viúva — beneficiários dos dízimos — podiam comê-los em qualquer lugar [Deuteronômio 26].

Tudo isso contraria o que o autor do texto lá de cima disse, e certamente o que muitos pregadores ensinam, inclusive o Autor do livrinho mencionado no Prefácio. Vemos, pois, que o dizimista não somente podia comer o dízimo e administrá-lo, mas tinha de fazê-lo. Ou seja, tinha de comê-lo e tinha a obrigação de administrá-lo também.

Quando sugeri que marcasse as frases que se referissem à terra de Canaã, é porque percebi na releitura que fizera da Bíblia, que o dízimo está intimamente vinculado à posse da terra. Os judeus somente estariam obrigados a dizimar, quando tivessem a posse da terra, e somente do fruto da terra, incluindo o rebanho. Na sua caminhada de quarenta anos pelo deserto, nada lhe foi exigido; mas quando entrasse na terra... Veja todas as referências que você marcou de vermelho e azul.

Quero lhe indicar um texto bem lá na frente, Neemias 10, muito esclarecedor do que acabo de afirmar: ...os dízimos da nossa terra aos levitas, pois a eles cumpre receber os dízimos em todas as cidades onde há lavoura.

Quem?

No capítulo 26, descobrimos que esse quem envolvia o dizimista e os que deveriam receber os dízimos: os levitas, o estrangeiro, os órfãos e as viúvas. Esses últimos, como já disse, estavam autorizados a comer o dízimo em todo lugar, e sem a necessidade de praticar o cerimonial de se purificar. O dizimista, não; somente podia comer o dízimo estando puro e no lugar predeterminado por Deus. [Números 18, Deuteronômio 26].

Uma perguntinha pertinente, mas perturbadora: Alguma vez você foi instruído a comer o dízimo, ou a distribuí-lo com o estrangeiro, com os órfãos ou com as viúvas, como está ordenado na Bíblia ao dizimista fazer? Se não, você está sendo enganado! Mostraram-lhe Malaquias 3, mas esconderam Deuteronômio 14 e 26. Ora, se em relação ao dízimo, Malaquias 3 é aplicável à Igreja, penso que Deuteronômio 14 e 26 também devem ser. Você não acha meu caro dizimista?


Como?

Ao dizimista competia levar o dízimo ao lugar escolhido por Deus, comê-lo e distribuí-lo. Mas como fazer? Para levar uma grande quantidade e a lugar distante, podia vendê-lo, transformando-o em dinheiro, e depois comprar outras coisas para pôr no lugar das que vendera. Isso também está disciplinado nos capítulos 14 e 26 de Deuteronômio.

Viu? Comer o dízimo não era nenhum ato de profanação de coisa sagrada, como alguns pregadores andam dizendo (e escrevendo) por aí. Muito pelo contrário. Era ato de estrita obediência ao preceito de Deus! Bom, aqui fica claro que ele podia e tinha de comer. Mas poderia administrá-lo? Vou transcrever mais um texto:

Quando acabares de separar todos os dízimos da tua messe no ano terceiro, que é o dos dízimos, então os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas cidades, e se fartem [Deuteronômio 26].

Viu? Nesse ano, o terceiro, o próprio dizimista distribuía o dízimo do que ele havia colhido, dando-o ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, nas cidades deles. Apenas a parte que tocara ao dizimista era levada ao lugar que Deus escolhera. A outra parte (80%) era distribuída pelo dizimista. Ele estava administrando, em obediência ao preceito de Deus.

Veja e compare o grau de sagração do dízimo e da páscoa. Observe que até o estrangeiro, não descendente de Jacó, tinha o direito de comer o dízimo, em qualquer lugar. Mas se quisesse comer a páscoa, tinha de observar primeiramente o ritual da circuncisão, pois do contrário não podia comê-la [Êxodo 12].
No tempo presente, já ouviu alguma vez o dizimista ser orientado a comer o dízimo? Eu sei que surgirão muitas explicações. Dirão alguns cobradores de dízimo: Na atualidade, o dizimista entrega o dízimo em dinheiro na igreja e se alimenta da palavra. Espiritualiza-se. Mas não é assim que está escrito. Na Bíblia, o dizimista comia literalmente o dízimo, digeria o dízimo comido e, desculpe a franqueza, defecava o dízimo que comera e digerira! Não se tratava de palavras ou de ensinamentos recebidos. Era comida mesmo: produtos da terra e animais! Como diríamos hoje: arroz, feijão e carne!

Havia uma restrição: o dizimista não podia comer o dízimo em casa, somente no lugar determinado por Deus, ou seja, no templo, no lugar de adoração [Deuteronômio 12]. O levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva podiam comê-lo na sua cidade [Deuteronômio 26]. Sabe por que o dizimista não podia comer o dízimo em casa ou em sua cidade, ou em outro lugar que não no templo? Porque o seu dízimo fazia parte do culto, e o culto doméstico era proibido, para não haver confusão com o culto prestado aos deuses dos pagãos, tão abundantes naqueles tempos [Deuteronômio 12].

Bom, os levitas foram dados aos sacerdotes, para servi-los [Números 3, I Samuel 2, I Crônicas 23]. Os sacerdotes não recebiam dízimos diretamente do dizimista. Recebiam o dízimo dos dízimos dos levitas. Não do estrangeiro, nem dos órfãos, nem das viúvas, pois esses não tinham obrigação de dizimar [Números 18, Neemias 10].