Para facilitar a compreensão dos textos bíblicos que você vai ler, nessa busca da verdade sobre o dízimo, sugiro que use dois lápis de cor: um vermelho e o outro azul. Com o vermelho, marque toda frase que mencionar a terra (não o planeta Terra, mas a terra de Canaã — território geográfico), especialmente a expressão: Quando o Senhor teu Deus te introduzir na terra... e outras equivalentes. E com o azul, marque tudo que você encontrar sobre o dízimo. Já adianto: você não vai achar muita coisa para marcar de azul, não. Depois, leia esses textos marcados uma, duas, três ou mais vezes. Fazendo assim, você vai ver como a compreensão deste e de muitos outros assuntos ficará mais fácil.
Mas há duas coisas que eu reputo importantíssimas, e que você deve ter em mente quando estiver examinando o Pentateuco, ou seja, os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, também chamados pelos judeus de Torá de Moisés ou simplesmente Torá.
A primeira é a formação da nação israelita ou judaica. O povo hebreu (também chamado judeu ou israelita) viveu no Egito cerca de quatrocentos e trinta anos [Êxodo 12], e por muito tempo sob pesada escravidão [Êxodo 1]. Durante esse período, não teve templo, religião formal, ou leis próprias, e viveu na cultura e de acordo com as leis e os costumes do povo egípcio. Aliás, esse povo nem tinha experiências com Deus. Conhecia Deus somente de ouvir falar, e mesmo assim como Deus de Abraão, Deus de Isaque e Deus de Jacó [Êxodo 6]. A única coisa que o ligava fortemente ao patriarca Abraão (fundador dessa raça) era a circuncisão, ou seja, uma marca que era feita no pênis (no pintinho) de cada menino aos oito dias de nascido. (Ai, coitadinho, sem anestesia!).
Quando Jacó, também chamado Israel [Gênesis 32], migrou de Canaã para o Egito, foi com um grupo de apenas setenta pessoas [Gênesis 46, Deuteronômio 10], ou de setenta e cinco, na contagem do diácono Estêvão [Atos 7], mas levava consigo a promessa de que Deus faria dele no Egito uma grande nação [Gênesis 46]. Agora, no regresso dos seus descendentes, deveria contar com nada menos de dois milhões de pessoas. O primeiro censo realizado logo após a saída do Egito, nos dá conta de que só de homens de vinte anos para cima, capazes de sair à guerra, eram seiscentos e três mil quinhentos e cinqüenta, sem contar os levitas [Números 1]. Quase quarenta anos depois, como preparação para a entrada na terra prometida, fez-se nova contagem. Veja o resultado: o número dos aptos para a guerra havia baixado para seiscentos e um mil setecentos e trinta; enquanto o número dos levitas subira de vinte e dois mil para vinte e três mil [Números 26].
A segunda é a promessa. Esse povo aguardava o cumprimento de uma promessa, que Deus fizera, sob juramento, aos três patriarcas, de que um dia a sua descendência possuiria a terra de Canaã [Gênesis 12, 26, 28]. Essa esperança era tão arraigada, que Jacó ou Israel — como passara a ser chamado —, depois de viver na terra do Egito durante dezessete anos, e aos cento e quarenta e sete de idade, sentindo a morte chegar, e já quase cego, chamou seu filho José e o fez jurar, com a mão sob a sua coxa, que não o enterraria no Egito, mas levaria seus restos mortais para serem enterrados na terra prometida, na caverna no campo de Macpela, que Abraão comprara de Efron, por quatrocentos siclos de prata, e onde tinham sido enterrados Sara, Abraão e Isaque [Gênesis 23, 35, 50]. Logo depois, expressou sua esperança: Eis que eu morro, mas Deus será convosco, e vos fará voltar à terra de vossos pais [Gênesis 47, 48]. E o próprio José, perto da morte, demonstrando também a sua esperança, fez seus irmãos jurarem que, quando Deus os visitasse para cumprir a promessa, levariam os seus ossos para a terra de Canaã, onde seriam sepultados. O que efetivamente foi feito [Gênesis 50, Êxodo 13, Josué 24].
Até que enfim chegou o grande e esperado dia do cumprimento da promessa!
A medida da iniqüidade dos amorreus se enchera e Deus viu a aflição do seu povo e desceu a fim de livrá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel [Gênesis 15, Êxodo 3].
Essas duas coisas são importantíssimas, porque os mandamentos, estatutos, testemunhos e juízos, entregues por Moisés a esse povo, tinham como propósito prepará-lo para viver em liberdade, governar-se a si mesmo como nação e a se tornar testemunhas de Jeová (não como esses modernos que vão em dupla, de casa em casa, vendendo revistas), no meio dos povos que habitavam a terra da promessa [Gênesis 12, 15; Êxodo 19; Deuteronômio 4, 6; Isaías 42, 43 e 44], pois desse povo viria a Salvação [I Crônicas 16, João 4]. De modo que, ao entrar na terra prometida, Israel não poderia mais viver de acordo com os costumes egípcios, em que vivera por mais de quatro séculos, nem adotar os costumes dos povos cananeus: Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo, nem andareis nos seus estatutos. Como viver então? Por isso lhe foi dada toda aquela legislação, que se encontra naqueles livros. Ali, estavam a sua Constituição (a Carta Magna), suas leis civis, militares, penais, trabalhistas, os direitos de família, os preceitos e cerimônias religiosos, todos fundamentais para a sua sobrevivência: Fareis segundo os meus juízos, e os meus estatutos guardareis, para andardes neles: Eu sou o Senhor vosso Deus. Portanto os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo os quais, o homem viverá por eles: Eu sou o Senhor vosso Deus [Levítico 18]. Também não se pode esquecer de que Israel seria uma teocracia, isto é, teria um governo em que a autoridade, emanada de Deus, seria exercida por seus representantes, ou seja, os sacerdotes.
Vejo, pois, esse povo, recém saído do cativeiro egípcio, como crianças, que tiveram de ser ensinadas sobre todas as coisas, até mesmo sobre as mais simples e algumas até bizarras: como tratar o animal do inimigo e do próximo [Êxodo 23, Deuteronômio 22]; a obrigação que tinha o sacerdote de usar cuecas [Êxodo 28]; o que fazer quando a mulher estivesse menstruada [Levítico 15]; o direito de retrovenda de imóvel residencial urbano [Levítico 25]; a execução da pena de morte [Deuteronômio 19]; as condições para convocação e dispensa dos homens para a guerra [Deuteronômio 20]; como tratar a mulher prisioneira; acerca dos filhos desobedientes [Deuteronômio 21]; a vestimenta que o homem e a mulher não deveriam usar; o procedimento para a captura de um passarinho (bem ecológica essa, não?); não misturar sementes de espécies diferentes na mesma área da lavoura; as relações sexuais proibidas [Deuteronômio 22]; a exclusão de pessoas da assembléia; a cobrança ou não de juros do irmão de raça ou do estrangeiro nos empréstimos de dinheiro; e, pasmem, até a fazer cocô! [Deuteronômio 23]. Desse modo, ao final da sua carreira e da sua vida, Moisés podia gabar esse povo dizendo: Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o Senhor meu Deus, para que assim façais no meio da terra que passais a possuir. Guardai-vos, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente este grande povo é gente sábia e entendida. Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? [Deuteronômio 4].