O voto de Jacó

A segunda vez que o dízimo é mencionado é pelos lábios de Jacó, no episódio da visão da escada, quando fugia de seu irmão Esaú, indo para Padã-Arã. Leia devagarzinho o texto. Uma, duas ou mais vezes. Pese cada palavra que foi dita por Deus a Jacó. E cada palavra que Jacó disse a Deus. Deixe o texto falar ao seu entendimento: A terra em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti, e à tua descendência. Deus falou. Agora, é Jacó falando: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então o Senhor será o meu Deus; de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo [Gênesis 28]. E Deus foi com ele e o guardou e lhe deu mais que o pão para comer e roupa para vestir. Deu-lhe riqueza, como veremos adiante. Então, quando os seus descendentes recebessem a terra, ficariam obrigados e entregar o dízimo do que Deus lhes concedera. Se iam herdar a bênção prometida a seu pai, deveriam herdar também a obrigação contraída por ele naquele pacto; pois foi justamente a terra que Deus prometera dar a Jacó, que foi dada aos seus descendentes.

Quando li isso, caiu a ficha. Ah-ah, acho que aí está o segredo do dízimo! Fiquei convencido de que foi por causa desse voto espontâneo de Jacó, feito diante da promessa de Deus, que os seus descendentes ficaram obrigados a entregar a Jeová todas as dízimas da terra (de Canaã), tanto do grão do campo, como do fruto das árvores, do gado e do rebanho, quando entrassem na posse dessa terra prometida [Levítico 27].

Se você assinalou com o lápis vermelho todos os textos que falam na terra que seria dada a esse povo, já deve ter percebido que todo trato de Deus com Abraão, Isaque, Jacó e seus descendentes gira em torno dessa promessa. Ou seja, sempre envolvendo a posse da terra de Canaã. Continue lendo e marcando.

Agora, vou lhe contar um segredinho: li e reli o Velho Testamento, e o Novo Testamento também, com redobrada atenção, em busca da verdade, mas procurando especificamente uma coisa: pelo menos uma menção do dízimo em dinheiro. E nada encontrei. Nem tampouco a obrigação de um aguadeiro, carpinteiro, comerciante, copeiro, empregado, empresário, ferreiro, médico, padeiro, pedreiro, soldado, tecelão ou de qualquer outro profissional daqueles tempos de pagar/dar/entregar o dízimo do seu salário ou do seu rendimento. O dízimo somente incidia sobre os frutos ou produtos da terra da promessa, que os israelitas herdaram, ou seja, a terra de Canaã. E não pense que naqueles tempos idos não houvesse pagamentos em dinheiro de salários e indenizações. Havia sim. Veja estas menções em Êxodo 21 e Levítico 19.

Opa, parece que eu me contradisse! Lá em cima eu falei em dinheiro do dízimo, naquela pergunta importuna, não foi? Agora estou dizendo que não havia dízimo em dinheiro! Ah, mas eu explico. Que eu saiba, em duas ocasiões, o dízimo podia ser transformado em dinheiro.

Uma: Quando o dizimista quisesse resgatar alguma coisa. Ou seja, em vez de entregar a coisa dizimada, propriamente dita, ele a substituía por dinheiro. Nesse caso, havia uma pena: ele tinha de acrescentar 20% ao preço dela, isto é, um quinto do seu valor [Levítico 27]! Imagine o fato: O judeu — descendente de Jacó — recebeu a posse da terra prometida, plantou, colheu, separou o dízimo, mas quer ficar com uma dessas coisas do dízimo. Tudo bem, pode. O sacerdote avalia esse bem, o dizimista acrescenta 20% sobre o valor dele e entrega o dinheiro. É como se ele estivesse comprando a mesma coisa que ele tinha consagrado como dízimo, com um ágio de 20%, ou um quinto. Compreendeu? Não se tratava de dízimo do dinheiro recebido a título de salário ou lucro.

Duas: Quando ele estivesse longe do lugar que Jeová iria determinar para o culto e para a entrega dos dízimos e das ofertas, e fosse custoso transportar para lá o dízimo consistente em cereal, vinho, azeite, gado. Então o dizimista podia vender tudo (inclusive os primogênitos dos animais, que pertenciam a Jeová), e converter tudo isso em dinheiro, comparecer ao templo e lá comprar o que quisesse para substituir o que ele havia vendido [Deuteronômio 14]. Nesse caso, ele não tinha de acrescentar os 20%. Deu para notar que ele não entregava dízimo em dinheiro a ninguém?

Mas há muita gente perita em ajeitar as coisas e deixá-las do jeitinho que quer ou do jeitinho que lhe seja mais conveniente. Por exemplo. Sobre essa história de Jacó, não faz muito tempo, ouvi um pregador dizer que, na volta de Padã-Arã, Jacó pagou o dízimo a Esaú! Esse pregador conseguiu tirar essa mirabolante idéia do fato de Jacó, ameaçado de morte e tremendo de medo, ter dado um baita presente a Esaú, para aplacar o ódio desse seu irmão, a quem ele enganara usurpando-lhe a bênção da primogenitura [Gênesis 27, 32].

Leia com atenção o recado que Jacó mandou a Esaú:

Assim falareis a meu senhor Esaú: Teu servo Jacó manda dizer isto: ... Tenho bois, jumentos, rebanhos, servos e servas; mando comunicá-lo a meu senhor, para lograr mercê à sua presença. ...Então Jacó teve medo e se perturbou; ...E orou Jacó: Deus de meu pai Abraão, e Deus de meu pai Isaque... Livra-me das mãos de meu irmão Esaú, porque o temo... E, tendo passado ali aquela noite, separou do que tinha um presente para seu irmão Esaú: duzentas cabras e vinte bodes; duzentas ovelhas e vinte carneiros; trinta camelas de leite com suas crias; quarenta vacas e dez touros; vinte jumentas e dez jumentinhos.

Calculou o tamanho do presentão que Esaú recebeu? Eu somei e encontrei 580 cabeças de animais. Em vinte anos como fazendeiro, eu não consegui juntar nem a metade disso!

Seria muito se eu lhe pedisse para refletir nesse relato e responder com toda sinceridade a mais uma perguntinha? Você consegue ver aí um dizimista entregando, dando ou pagando o dízimo? [ ] Sim [ ] Não