Esse é o forte argumento comumente usado pelos pregadores do dízimo, para rebater os cristãos recalcitrantes, não dizimistas, que afirmam que o dízimo é da lei. Realmente, parece um argumento e tanto, bastante robusto, irretorquível. Mas acompanhe passo a passo o raciocínio a seguir.
Os preceitos que se seguem também são anteriores à lei, e foram incorporados a ela, mas nem por isso nos sentimos obrigados a observá-los, e nem somos ensinados a fazê-lo:
*A distinção entre animal limpo e animal imundo, e a conseqüente proibição de comer a carne deste último [Gênesis 7, Levítico 11];
*A circuncisão [Gênesis 17, 21; Josué 5];
*O sacrifício de animais [Gênesis 15; Êxodo 20, 24; Levítico 1 e seguintes];
*A consagração dos primogênitos dos homens e dos animais a Deus [Êxodo 13, Números 3];
*O levirato [Gênesis 38, Deuteronômio 25];
*A celebração anual da páscoa [Êxodo 12, 23; Josué 5];
*A guarda do sétimo dia (sábado) [Gênesis 2; Êxodo 16, 20, 23].
Você certamente concorda comigo nisso, mas poderá levantar uma forte objeção: É verdade, o raciocínio acima parece lógico, mas o dízimo aparece também no Novo Testamento, logo deve ser observado, pois ficou inserido no contexto do evangelho! Então vamos continuar investigando o caso.
*A distinção entre animal limpo e animal impuro aparece também no Novo Testamento. O apóstolo Pedro tinha dificuldade com isso, mas parece que esse problema foi resolvido, pelo menos em relação aos gentios [Atos 10, 11, 15];
*A circuncisão também está no Novo Testamento, e está relacionada à pessoa mais importante. E foi justamente no dia da sua circuncisão, quando completou oito dias de vida, que ele recebeu o seu nome: Jesus [Lucas 2]. Aliás, a prática da circuncisão até aparece lá bem na frente. O próprio apóstolo Paulo circuncidou Timóteo, filho de uma judia crente e pai grego [Atos 16];
*De igual modo, o sacrifício de animais. Na consagração do primogênito Jesus, foram sacrificados um par de rolas e dois pombinhos [Lucas 2];
*E como estava escrito na lei, ele foi também consagrado ao Senhor na condição de primogênito [Lucas 2];
*O levirato, por sua vez, ainda era praticado nos dias do Senhor Jesus. Os saduceus nos dão notícia disso nos três Evangelhos [Mateus 22, Marcos 12, Lucas 20];
*A celebração anual da Páscoa, também. E o próprio Senhor Jesus a celebrou [João 2, 13, 18; Mateus 26];
*E até o polêmico sábado era observado [Lucas 4, 23; Mateus 24].
E o que dizer do voto? Não me refiro ao voto com o qual elegemos os bons (pouquíssimos) e os maus (muitíssimos) políticos para os cargos públicos. Falo da promessa votiva, isto é, da promessa com que uma pessoa se obriga para com Deus. Aliás, a obrigação do dízimo para os israelitas, a meu ver, nasceu do voto de Jacó (portanto antes da outorga da lei). Em diversas ocasiões, Deus deu longas e detalhadas instruções a Moisés sobre o voto, particularmente o de nazireu [Levítico 27; Números 6, 30; Deuteronômio 23]. Os nazireus mais conhecidos da Bíblia são: Sansão [Juízes 13], Samuel [I Samuel 1], João Batista [Lucas 1, 7]. No Novo Testamento, temos notícia de que o apóstolo Paulo raspou a cabeça, em Cencréia, por ocasião da sua segunda viagem missionária, por ter tomado ou feito voto [Atos18]. E foi exatamente pelo seu envolvimento no cumprimento de votos alheios, feitos por quatro homens, quando seguia sugestões dos apóstolos, que acabou sendo preso e processado em Jerusalém, o que pôs fim à sua carreira missionária e resultou na sua ida a Roma, para julgamento perante o tribunal do imperador César [Atos 21 a 29].
Então reflita novamente e responda: Estamos sendo ensinados a observar esses importantes preceitos acima mencionados, que à semelhança do dízimo, existiram antes da lei e foram a ela incorporados e eram observados nos tempos do Novo Testamento? [ ] Sim [ ] Não.
Por que será que somente o dízimo é ensinado e com tanta ênfase, com promessas e maldições? (Conheço as poucas exceções). Não parece ser um ensino enganoso, muito bem montado sobre a verdade, tendencioso e muito vantajoso para o doutrinador? [ ] Sim [ ] Não.
É por isso que eu digo: É o engano cavalgando a verdade.
Tome tento, leitor! Nem tudo o que foi ordenado ou ensinado na Bíblia, os cristãos praticam, ou são ensinados a praticar. Quer ver? Se você tem um filho contumaz e rebelde, que não obedece ao pai nem à mãe, e mesmo quando castigado não dá ouvidos a seus pais, o que fazer com ele, segundo o que está ordenado na Bíblia? Deuteronômio 21 prescreve direitinho o que se devia fazer com ele! Leia o texto com bastante atenção, e descubra por si mesmo. E o que você pensa disto?: Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti..., Se tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti... Conheço muita gente que anda tropeçando (inclusive pregadores do dízimo), mas ainda não vi ninguém que tenha arrancado o olho direito ou a mão direita por causa desse conselho do Senhor Jesus! No Novo Testamento, Tiago dá instruções detalhadas sobre algumas providências que o cristão deveria tomar diante de certas circunstâncias: Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor [Tiago 5]. (Não seria esse o Plano de Saúde dos cristãos, que deveria ser mantido pela fé?). Não parece ser esse o ensino ou a prática da igreja em geral. Talvez as duas primeiras providências tenham merecido alguma atenção. Mas a última tem sido sistematicamente desprezada. Nesse caso, pelo menos, não se toma a Bíblia como palavra de Deus! Quem sabe por isso muitas igrejas já nem elegem ou constituem presbíteros, como era costume no início do cristianismo [Atos 14, Tito 1]? O presbítero se tornou uma figura dispensável. Ou será porque já não estão encontrando homens com as qualidades de um presbítero dos primeiros dias da Igreja? Mas alguém pode argumentar: Os pastores e os bispos ocupam o lugar dos presbíteros. Que seja. Então porque não são chamados para aquele mister; e, quando chamados, não se obtém o resultado buscado de cura, como está dito na epístola de Tiago? Alguma coisa deve estar errada! Precisamos reexaminar a nossa teologia, nossas doutrinas ou, quem sabe, a nossa fé!
Há algum tempo, formulei uma pergunta com base nessa orientação de Tiago, nos seguintes termos: Em que circunstância, uma pessoa (homem ou mulher), incrédula, ímpia e até blasfema substitui o presbítero?
Ninguém a quem eu fiz a pergunta atinou com a resposta. Ora, o que se vê hoje, é que se alguém da igreja está enfermo, a providência é chamar o médico (ou levar o enfermo a ele), seja ele reconhecidamente ateu, ímpio e até blasfemo, não importa; e não chamar os presbíteros da igreja, como recomenda Tiago. Viu como nessa circunstância essa pessoa incrédula, ímpia e até blasfema substituiu o presbítero?